UM CORPO QUE AFETA
Wagner Ferraz(*)
CORPOS • DEVIR • AFETO • VIDA • MOVIMENTO
Me dirigi ao Teatro de Arena, na cidade Porto Alegre/RS, para assistir à apresentação do espetáculo UM CORPO BEM DE PERTO de Luciana Paludo. Era o último dia (24/11/2019) desta temporada, então eu precisava assistir naquela data, eu fazia questão. Pois é sempre bom assistir... também é bom ouvir e conversar com a artista/professora/pesquisadora/pessoa Luciana Paludo, assim como me sinto atraído a ler seus textos.
#1 – um corpo-luciana-paludo
Apagam-se as luzes e a escuridão protagoniza. Outra luz surge ao fundo e um corpo-luciana-paludo invade o espaço alcançável por minha visão. Corpo em movimento se compondo com luz, sombra e respiração, era isso que eu conseguia ver. Para alguns pode parecer pouco essa descrição com poucos elementos, mas para mim isso já era muita coisa, era a matéria daquela criação.
#2 – um corpo torna-se respiração
Um corpo-luciana-paludo sustenta o movimento, quero dizer que não me refiro a um movimento prévio que seja acionado para agitar um corpo. Mas de um corpo que sustenta as possibilidades do mover, que produz movimento no intenso namoro com luz e sobra... além da música que tocava, tudo era musicado pela respiração. Um corpo-luciana-paludo torna-se respiração.
#3 – um corpo torna-se escápula
A sala é tomada pela força das escápulas, cria-se outro corpo-luciana-paludo, um corpo que se torna escápula. Não apenas movimenta essa parte da anatomia nomeada de escápula, mas torna-se escápula, produz estranhamento e admiração. Afeta! Sentia minhas escápulas naquele momento, eu as movia lentamente para observar o que eu poderia sentir, pois a imagem que se instaurava na minha frente, produzia sensações diversas.
#4 – um corpo torna-se peito com água
Chega a vez do esterno, aquele osso achatado em forma de “T” que se localiza na região peitoral... não só o esterno, mas todo o peito, a cintura escapular, os braços. Afinal de contas as escápulas já haviam aberto a pista de dança, chegava a hora de outros mostrarem-se. Esses, estavam num encontro com um novo elemento, com a água. Como aquilo era possível? Como era possível deslocar aquela água? Como era possível se compor com aquela água? Mais um corpo-luciana-paludo se apresenta, agora se tornava peito com água. O corpo em toda sua dimensão é tomado pela força do peito, pela força de um coração que ali bate e de pulmões que por ali se enchem e se esvaziam.
#5 – um corpo torna-se corpos
Então o corpo se torna baile! Outro corpo-luciana-paludo toma a cena, este dá visibilidade para a coluna vertebral, abdômen, quadril, pernas e pés... A sala se expande, o corpo fica mais perto de quem assiste. Os pés também namoram com água e jogam um pouco dessa relação em gotas pelo piso do palco. Agora torna-se vértebra, umbigo, crista ilíaca, ísquios, fêmur, calcâneo, falanges... Um corpo, torna-se constantemente corpo(s), como costumo dizer. Claro que os outros corpos citados também constituem esse corpo que se torna corpo(s).
#6 – um corpo torna-se boca
Não posso fazer a injustiça de esquecer da cabeça: dos cabelos, dos olhos, do nariz, orelhas e mais especificamente da boca. Como destaca o corpo-luciana-paludo, esse corpo-boca que se constitui em cena. Corpo esse que fala, que tem um texto para lançar sobre nossa pele, um texto que é injetado com a precisão de uma agulha de injeção, que entra pela corrente sanguínea e oxigena as imagens que estavam fixadas.
#7 – muitos corpos
São muitos corpos-luciana-paludo, muitos corpos que se compõem no decorrer da vida, mas também muitos corpos que se compõem em cena. São corpos dos instantes, mas que deixam rastros, que deixam possibilidades de movimento, que deixam intensidades de dança e forças para dançar. São simplesmente corpos.
#8 – escrever...
Fazer o exercício de pensar, escrever, mover com UM CORPO BEM DE PERTO e com os corpos-luciana-paludo, me convida e buscar as imagens-sensações dos corpos que me torno constantemente. São tentativas de lembranças que se confundem com o sentir do instante, pois o vir a ser de um corpo, o seu devir, não se dá nas formas que são identificadas, mas nas intensidades que nos afetam.
Parabéns Luciana Paludo e toda equipe! Sucesso sempre!!!
Abraço
Wagner Ferraz
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Informações e sinopse conforme divulgação:
UM CORPO BEM DE PERTO
Nos dias 22, 23 e 24 de novembro, 20h, Um corpo bem de perto volta à cena.
Concebido em 2006, na Casa Bild, recebeu o Prêmio Açorianos, em 2007 de melhor coreografia, bailarina e trilha sonora. Depois disso foi dançado em diversas cidades do Brasil.
Este trabalho solo de Luciana Paludo é um ensaio sobre o tempo de "estar aqui". O corpo como devir, num movimento em queda livre, (em slow motion), no curso de sua existência.
O quanto percebemos isso?
O corpo diz:
Osso, carne, pele; cicatriz.
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“Um corpo bem de perto”
Trabalho solo de Luciana Paludo
No Teatro de Arena nos dias 22, 23 e 24 de novembro às 20h.
Um corpo bem de perto é um trabalho solo, de criação e execução de Luciana Paludo. Inspira-se em questões a respeito do tempo transcorrido no corpo. O corpo, matéria carregada de memória, comporta índices que denotam sua história, seu estar no mundo; seu modo de mover. Esse trabalho é uma ode à existência, permeada pelos movimentos da dança.
O espetáculo iniciou seu processo dentro da Casa Bild (2006), projeto que propunha um espaço para o desenvolvimento de linguagens autorais em dança, proposto por Jussara Miranda (e executado pelos recursos do Prêmio Funarte Klauss Vianna). Na Casa Bild, cada criador/a tinha um “olheiro”; o olheiro de Um corpo bem de perto foi Airton Tomazzoni.
O trabalho estreou em 2006 no Teatro de Arena; nesse ano recebeu prêmio Açorianos de Dança de melhor bailarina, coreografia e trilha sonora. Em 2007 realizou turnê nacional, através do Prêmio Caravana Funarte de Circulação Nacional – Dança. Foi apresentado em diversas cidades do País e do RS, em eventos das artes cênicas e específicos da dança: Porto Alegre em Cena, Dança Alegre Alegrete, I Encontro Nacional de Dança-Teatro (em Viçosa), entre outros. Em 2016, junto a trechos de outros trabalhos solo de Luciana, foi levado ao palco da Sala Agrippina Vaganova, em Joinville, para compor um espetáculo, no formato de conferência dançada, o qual agregava trechos de diversas coreografias, compostas entre 2000 e 2016.
Em 2019 volta à cena de Porto Alegre, para que as questões se atualizem no corpo e na cena contemporânea da dança porto-alegrense.
Luciana Paludo tem uma trajetória como solista e como artista que trabalha em colaboração com outros artistas. Em 2019, a bailarina volta à cena sozinha, depois de alguns anos trabalhando apenas em grupo e em criações coletivas.
[Entre essas criações coletivas, destaca a performance Manchas Urbanas, com a Eduardo Severino Cia. de Dança; o espetáculo Vestido como parece, com a Anima cia de dança, dirigida por Eva Schul; o espetáculo Das tripas sentimento 2018, dirigido por June Machado e outras produções com o Mimese cia de dança-coisa (grupo que dirige): Ensaio sobre o tempo (2016 e 2017), A utopia do corpo sensível (2018, 2019). Também apostou em trabalhos em colaboração, como foi o caso do Projeto Luciana Paludo Convida, pelo qual recebeu Prêmio Açorianos de Difusão e Formação em Dança em 2016, realizando e atuando em 8 espetáculos com artistas convidados.]
Então, voltar a um espetáculo solo é algo esperado pelo público que acompanha o seu trabalho.
Link para trecho de Um corpo bem de perto: https://www.youtube.com/watch?v=rbLsHw3kxYo
Link para visualizar algumas fotos:
https://lupaludomimese.blogspot.com/2019/05/um-corpo-bem-de-perto.html
Numa entrevista que concedi, há um tempo atrás, a repórter perguntou um momento que eu destacaria em minha carreira, respondi:
Quando compus “Um corpo bem de perto”, em 2006. Foi um divisor de águas, no bom sentido. Aprendi muita coisa, tendo que levar um espetáculo sozinha.
Inicialmente comecei o trabalho com o Airton Tomazzoni de “olheiro” – espécie de provocador -, dentro do projeto Casa Bild (Prêmio Klauss Vianna 2006, de Jussara Miranda). Depois disso, o espetáculo ganhou vida própria; dancei em vários Estados e eventos de dança.
Foi neste momento de minha vida que percebi/senti a questão da “fragilidade” e efemeridade na dança (o que já sabia teoricamente); na ocasião, passei a compreender isso “na carne”. Havia um poema lindo, que iniciava a cena e trazia “o ser (fr)ágil e potente” para a ação.
*Disponível no site: http://www.dancecast.com.br/luciana-paludo/
(acessado em 07/05/2019).
Registro da apresentação em Viçosa (MG):
https://www2.dti.ufv.br/danca_teatro/scripts/site/detalhesCompanhia.php?comp=23
SERVIÇO:
Nome do espetáculo: Um corpo bem de perto
Local: Teatro de Arena/Escadaria do Viaduto Otavio Rocha, Av. Borges de Medeiros, 835
Data: 22, 23 e 24/11/2019.
Hora: 20h
Indicativo de faixa etária: 12 anos
Duração do espetáculo: 45 minutos
Ingressos: R$ 30,00 e 15,00 (meia entrada para estudantes, professores, classe artística e pessoas acima de 60 anos) Uma hora antes do espetáculo na bilheteria do Teatro de Arena.
Ingressos antecipados no Espaço N ( Rua da República, 433): R$ 20,00 e 10,00 (meia entrada)
Ficha Técnica:
Coreografia, interpretação e textos: Luciana Paludo
Trilha sonora: Carolina Paludo Sulczinski e Luciana Paludo.
Figurino: Laura Bauermann
Ensaiadora: Rossana Scorza
Iluminação: Sandra Santos
Operação de som: Anne Plein
Produção: Luciana Paludo / apoio: Luka Ibarra e Espaço N.
Assessoria de Imprensa: Eduardo Severino
Informações disponíveis em: https://www.facebook.com/events/2416610581890864/. Acesso: 30 nov. 2019.
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Para referenciar este texto:
FERRAZ, Wagner. Um corpo que afeta. In.: Dance Dance, ano 5, n. 3, 30 nov. 2019,
Porto Alegre/RS. Disponível em: www.dancedancebr.weebly.com
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2019_-_um_corpo_bem_de_perto_-_dance_dance.pdf |
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*FERRAZ, Wagner: é um dançante/artista, pesquisador, professor e editor. Doutorando no PPG em Educação e Ciências (UFRGS), Mestre em Educação, Pós-Graduado em Educação Especial, Pós-Graduado em Gestão Cultural e Graduado em Dança. Coordenador dos Estudos do Corpo www.estudosdocorpo.com, editor da Revista Informe C3 www.informec3.weebly.com e Coordenador Editorial da Canto. Já organizou e escreveu alguns livros que podem ser encontrados em http://canto.art.br/canto-editorial/. Atua como professor em cursos de Graduação e Pós-Graduação lato sensu na área da Educação e Dança, já tendo atuado na UFRGS, CAPACITAR, UCS e UNISINOS. Atua como professor de dança no projeto Cartografar Corpos a Dançar. Editor e escritor do blog https://dancedancebr.weebly.com. Criador e professor do curso de formação de professores Educação Criadora, junto com Fernanda Bertoncello Boff, www.educacaocriadora.com. Contato: [email protected]