PRATA-PARAÍSO E OS CORPOS QUE PAVONEIAM
Wagner Ferraz(*)
No dia 19 de maio de 2018, às 19 horas, no Teatro do Sesc (POA/RS), no Festival Palco Giratório Sesc/POA, foi apresentado o espetáculo PRATA-PARAÍSO, mas dessa vez eu não assisti. Porém, o assisti duas vezes no ano de 2017. Na época não escrevi nada acerca da obra, por motivos que não vem ao caso explicar agora (falta de tempo mesmo). Ao ver a divulgação desta apresentação em 2018, sabendo que eu não poderia assistir, fiquei muito afim de escrever, afetado por não poder ir ao teatro e ainda com as reverberações das vezes em que o assisti no ano anterior.
Escrever acerca de um espetáculo meses depois de ter assistido? Escrever acerca de um espetáculo de teatro? SIM!!!! O texto é meu e eu escreve o que eu quiser quando eu quiser, hehehehe. Escrevo esse parágrafo na energia de PRATA-PARAÍSO, claro que apresento um texto bem menos ousado que o espetáculo... Muito menos ousado... acredito que um texto nada ousado. Mas escrevo!
Reitero o que sempre deixo claro nos textos do DANCE DANCE: escrevo, penso, crio, pesquiso “com” os trabalhos artísticos que assisto. Escrevo “com” e a partir do que me afeta, buscando sempre pensar de algum modo, um corpo. E agora um corpo feito de PRATA-PRAÍSO, com brilho, luzes, escuridão, choro, gargalhadas, maquiagem e suor...
PRATA-PARAÍSO esfrega o CU “bem na sua cara” (lembrando Pabllo Vittar). Os corpos desfilam na frente dos espectadores, literalmente, “causando”... Busco apoio numa gíria por não saber mesmo como dizer isso. Talvez Foucault (1998, p. 9) possa me ajudar, e ouso dizer que: “os corpos ‘pavoneavam’”.
Pavoneavam, vibravam, se jogavam, deliravam, se arrastavam, gritavam, choravam, gozavam... os corpos gozavam e eu gozava junto. Gozava daquele momento sem fim, e que quando acabava o espetáculo eu queria ver mais. Algo se instaurava naquele ambiente durante a peça, um clima de... de... de... não sei dizer. Mas os corpos “pavoneavam” com CU brilhante. Era um horror, um terror, um desespero, uma afronta a “tradicional família brasileira”, era um tesão incrível de querer “ficar no chão, querida”, assistindo tudo aquilo como se estivesse jogado no sofá da minha sala.
Dava um medo quando algum artista olhava bem nos meus olhos e dizia algo que parecia direcionado para mim, mas também entendia como um convite para eu me sentir parte de tudo aquilo. Um convite para “pavonear” junto com aqueles corpos.
Assim, PRATA-PARAÍSO institui um direito aos corpos, o direito de transitar naquele espaço cênico, expondo muito daquilo que tantas vezes não se quer ver e nem se ouvir, mas que durante a peça é apresentado sem pudor algum. Os corpos “pavoneiam” como aves livres falando de aves enjauladas.
Pavonear tendo um rabo de penas bem aberto feito leque, pavonear com o cu exposto, com intimidades reveladas, intimidades que chocam, mas que, como um cu, todo mundo tem. Assim, vem a ser um possível corpo PRATA-PARAÍSO, um corpo que pavoneia em meio a tanta coisa que fica difícil dizer especificamente do que é feito, impossível reduzir a uma coisa só... Mas consigo dizer que é feito de muito brilho, como purpurina solta no ar, difícil de pegar, mas se ela te pega não larga facilmente.
Parabéns ao diretor João de Ricardo, ao elenco Andrew Tassinari, Douglas Jung, Eduardo d’Ávila e a toda a equipe envolvida.
Abraço
Wagner Ferraz
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PRATA-PARAÍSO
A montagem da Cia. Espaço em Branco, premiada por Melhor Espetáculo e melhor Ator para Andrew Tassinari no Açorianos 2017, aborda a complexa temática da morte contando a história de um jovem artista, falecido há muito tempo vítima do HIV, que retorna da escuridão para acertar contas com sua família e a sociedade heteronormativa. PRATA-PARAÍSO é uma escatologia no sentido mítico, uma fábula GAY sobre o fim do homem e da civilização. Uma extravagância politicamente afiada, nutrida pelo sangue glorioso e contagioso dos artistas QUEER aos quais presta-se homenagem. Nela, o encenador JdR radicaliza sua relação com o teatro em si, levando ao ápice questões presentes em suas montagens anteriores – a atitude underground do faça você mesmo, o aprofundamento na preparação dos performers através de PHC (processos híbridos de criação) e as interferências causadas por outros suportes como vídeo e som mixados ao vivo. A cena descarnada é um convite à imaginação ativa dos espectadores e um elogio à potência da arte em vida.
Ficha técnica:
Direção: JdR – João de Ricardo
Elenco: Andrew Tassinari, Douglas Jung e Eduardo d’Ávila
Texto: O grupo, livremente inspirado em “Pterodactyls”, de Nicky Silver
Trilha sonora pesquisada: o grupo
Figurino e maquiagem: o grupo
Iluminação, som, vídeos e espaço: JdR – João de Ricardo
Produção: Cérebro
13º Festival Palco Giratório Sesc/POA apresenta:
PRATA-PARAÍSO (RS)
Sábado, dia 19 de maio de 2018, 19 horas
Teatro do Sesc – Avenida Alberto Bins, 665 – Centro Histórico – Porto Alegre/RS
Como Chegar: https://goo.gl/maps/WtMbFMwFh6N2
Gênero: Teatro adulto
Classificação: 18 anos
Duração: 105min
Produção: Cérebro e Cia. Espaço em Branco
Realização: Sesc/RS e Sesc Porto Alegre
Acompanhe a agenda No Palco: http://bit.ly/agendaNoPalco
Referência:
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: A vontade de saber. Tradução de Maria Thereza da Costa Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998.
Fotos do Espetáculo
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2018_-_prata-paraiso_-_dance_dance.pdf |
*FERRAZ, Wagner: é um dançante/artista, pesquisador, professor e editor. Doutorando no PPG em Educação e Ciências (UFRGS), Mestre em Educação, Pós-Graduado em Educação Especial, Pós-Graduado em Gestão Cultural e Graduado em Dança. Coordenador dos Estudos do Corpo www.estudosdocorpo.weebly.com, editor da Revista Informe C3 www.informec3.weebly.com e Coordenador Editorial da Canto. Já organizou e escreveu alguns livros que podem ser encontrados em http://canto.art.br/canto-editorial/. Atua como professor em cursos de Graduação e Pós-Graduação lato sensu na área da Educação e Dança, já tendo atuado na UFRGS, CAPACITAR, UCS e UNISINOS. Atua como professor de dança no projeto Cartografar Corpos a Dançar. Editor e escritor do blog https://dancedancebr.weebly.com. Criador e professor do curso de formação de professores Educação Criadora, junto com Fernanda Bertoncello Boff, www.educacaocriadora.weebly.com. Contato: [email protected]