UM ABRAÇO
Por Wagner Ferraz (1)
Reverberações do exercício de escrita de uma ação assistida!
Nos dias 07 e 08 de julho de 2016 participei do encontro “A crítica da crítica da dança” no Festival Nacional Dança Ponto Com – Porto Alegre/RS. O encontro foi orientado por Sandra Meyer[2], Thereza Rocha[3] e Airton Tomazzoni[4] (coordenador do festival), tendo como objetivo “estabelecer parâmetro para uma crítica da produção de dança atual. Pensar a crítica como não judiciosa, mas como um outro texto que levanta questões sobre a dança, o artista, o público, o ambiente...”[5].
Sandra Meyer propôs uma atividade em dupla, que consistia na experimentação de uma ação onde um participante realizava e outro observava. Após a ação, tivemos alguns minutos para exercitar a escrita desse processo, que foi assumidamente um exercício. Assim teríamos um brevíssimo texto com as impressões de quem realizou e outro com as impressões de quem assistiu, sendo:
Performer - Ana Maria Vasconcelos[6]
“Parto de um lugar de total onipotência, onde acredito na minha força de resistir.
Mas durante o processo, para a minha alegria vou aos poucos descortinando e acolhendo a fragilidade. O processo que chamaria agora de ‘queda das máscaras’, o encontro com o vazio e as surpresas”.
Observador – Wagner Ferraz
A distância de um abraço
Um abraço se dá no encontro dos corpos, no encontro de Ana com tantos outros corpos que atravessaram os percursos escolhidos. Apesar de que às vezes, Ana foi ao encontro desses outros.
Sol, pedra, sombra e vidros, todos estes presenciaram os abraços pedidos e algumas vezes quase implorados.
Presenciar era quase como abraçar junto.
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Então, após todas essas provocações, após ter tido ótimos momentos ouvindo as pessoas citadas neste texto, após as leituras indicadas[7] [8], sigo fazendo o exercício de pensar “com” (FERRAZ, 2015 e 2016) o que assisto, e aqui com a ação realizada por Ana Maria Vasconcelos.
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Uma ação que tem como disparador um possível abraço me dá condições para pensar a linha que se pode produzir entre dois corpos na aproximação destes. Uma linha tão fina como uma teia de aranha, pode iniciar longe com o contato visual, mas liga os corpos envolvidos, mesmo que um deles ainda não tenha percebido.
Com essa linha pode-se puxar outro corpo para pedir um abraço, e quando um abraço acontece, um emaranhado de linhas pode ser produzido em poucos segundos. Porém tantas vezes a linha pode arrebentar e o abraço pode não se dar.
Cartografar os percursos feitos e observar as intensidades dos encontros... é uma possibilidade de pensar a constituição desta ação em questão, pois é nesses percursos que são produzidas as linhas que irão enlaçar os passantes.
Talvez mais do que pensar um abraço, seja interessante pensar as condições nas quais esses abraços acontecem ou deixam de acontecer.
Abraçar pode ser um modo de enlaçar o outro antes mesmo do toque e assim mesmo pedir um abraço.
Tu podes me dar um abraço?
Referências:
FERRAZ, Wagner. Dance dance: Escrevendo “com” para produzir uma (não) crítica. In.: TOMAZZONI, Airton; DANTAS, Mônica; FERRAZ, Wagner. Escritos da Dança I: Olhares da dança em Porto Alegre. CANTO - Cultura e Arte: Porto Alegre, 2016. (Série Escritos da Dança). Disponível em: https://pt.scribd.com/document/318101500/DANCE-DANCE-Escrevendo-com-para-produzir-uma-nao-critica. Acesso: 12/07/2016.
FERRAZ, Wagner. Pesquisar e pensar “com”: Entre criação artística e criação acadêmica. In.: FERRAZ, Wagner (Org). Experimentações Performáticas. Porto Alegre: INDEPIn, 2014. (Coleção Estudos do Corpo, v. 2). Disponível em: https://pt.scribd.com/doc/275770813/Pesquisar-e-Pensar-com-Entre-Criacao-Artistica-e-Criacao-Academica-Texto-Wagner-Ferraz. Acesso: 30/11/2015.
Notas:
[2] Sandra Meyer é professora do curso de graduação em Artes Cênicas, do curso de Pós-Graduação em Dança Cênica da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e autora do livro "Metáforas do corpo em cena". Ela estreou recentemente “Narrativas em Dois Corpos”, obra em que volta ao palco e explora a história da artista com a da bailarina e coreógrafa Diana Gilardenghi, ambas com 59 anos. (Mini currículo fornecido pelo festival).
[3] Thereza Rocha é pesquisadora de dança, dramaturgista e diretora de espetáculos. Doutora em Artes Cênicas pela UNIRIO (2012). Mestre em Comunicação e Cultura, pela ECO/UFRJ (2001) com a dissertação “De Artaud a Pina Bausch: a história da invenção de um novo corpo...”. Sua mais recente criação é o espetáculo “Máquina de Dançar” em parceria com a bailarina Maria Alice Poppe. (Mini currículo fornecido pelo festival).
[4] Airton Tomazzoni. Jornalista, coreógrafo e professor. Diretor do Centro Municipal de Dança de Porto Alegre e da Companhia Municipal de Dança de Porto Alegre. Doutor em Educação pela UFRGS. Lecionou no curso de Dança da UERGS e é professor dos cursos de especialização em dança da PUCRS e UFRGS. É diretor do espetáculo Guia Improvável para Corpos Mutantes e do Projeto Dança Tece o Tempo.
[5] O objetivo foi informado pelo evento.
[6] Ana Maria de Vasconcelos. Psicóloga, dançante e performance, focalizadora e apaixonada pelas Danças Circulares Sagradas, formada pela PUCRS/ 1986. Especialista em Gestalt Terapia CEGT/RS, Pós-Graduada em Psicopedagogia e Interdisciplinaridade pela ULBRA e Pós-Graduada em Dinâmica de Grupo SBDG/RS. Realizou formação em Dançaterapia no Creativo de La Danzaterapia. Criadora e gestora do projeto vivencial “DANÇANDO para não DANÇAR” de ampliação e aprimoramento do contato intrapessoal e interpessoal nas relações de grupo.
[7] CARMO, Anderson do. A dança é uma epistemologia. Conectedance, publicado em 04 de julho de 2016. Disponível em: http://www.conectedance.com.br/ponto-de-vista/multiplas-escritas-reinventando-a-pertinencia-criticatexto-de-anderson-do-carmo-a-danca-e-uma-epistemologianbsp/. Acesso: 12/07/2016.
[8] TÉRCIO, Daniel. Crítica de dança: uma Crítica em processo. Art. Publicado em 2007, Sinais de Cena. Associação Portuguesa de Críticos de Teatro, Dez. (6), 23 – 27. Disponível em: https://tercius.files.wordpress.com/2008/02/critica_processo.pdf. Acesso: 12/07/2016.
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[1] Wagner Ferraz é um dançante, professor, pesquisador, performer e gestor cultural. Coordenador dos Estudos do Corpo, Editor da Revista Informe C3 e Coordenador Editorial da CANTO - Cultura e Arte. Já organizou e escreveu alguns livros que podem ser encontrados em http://canto.art.br/canto-editorial/. Atua como professor em cursos de Pós-Graduação lato sensu na área da Educação na UFRGS e CAPACITAR e professor do Curso de Graduação Tecnológica em Dança da Universidade de Caxias do Sul. Doutorando no PPG em Educação e Ciências (UFRGS), Mestre em Educação, Pós-Graduado em Educação Especial, Pós-Graduado em Gestão Cultural e Graduado em Dança. Contato:[email protected]. Site: www.processoc3.com.
critica_da_critica_da_danca.pdf |