Mostra de processo – NECITRA/Canto 400!!!!
Por Wagner Ferraz
Como costumo sempre ressaltar não tenho intenção, com esses textos do DANCE DANCE, descrever ou interpretar trabalhos artísticos, mas sim, pensar “com”** esses trabalhos (FERRAZ, 2014a e 2014b), produzir uma escrita disparada pelo que foi assistido. E assim, produzir minha arte da escrita ziguezagueando “com” dança, performance e/ou qualquer outro tipo de arte do corpo que venha a me interessar e mobilizar minha escrita.
Então aqui, nesse exercício, de escrever/pensar/pesquisar “com”*** os trabalhos assistidos, busco deslizar pelas teclas desse computador, que estou usando, para tratar dos corpos produzidos nos instantes assistidos e de possibilidades de pesquisa dos temas tratados. Temas esses que nem sempre são dados, nem sempre estão definidos, pois vão se movimentando e se constituindo com as pesquisas artísticas em andamento.
Os leitores podem se perguntar: Mas quando ele (esse que aqui escreve) vai falar dos trabalhos assistidos? Respondo que, escrever o parágrafo anterior, já dá indícios do que os trabalhos assistidos dispararam em mim, e é disso que se trata escrever “com”, da potência desses trabalhos como possibilidade de movimentar o pensamento/corpo para criar outra coisa.
1 - Assim, inicio uma brevíssima (bem breve mesmo) tentativa de discussão com “Como se move um corpo que não se move?” de Patricia Nardelli, que em sua fala, no bate-papo, destaca que sua pesquisa parte dos temas “morte e luto”. Tantas e tantas leituras podem ser feitas sobre esses temas, de modo geral se pensa na morte orgânica e em mortes de outras ordens que podem ser entendidas por muitos como sentimentais, simbólicas, situacionais e de fases da vida. Porém, o que fica “latejando” em mim, é a possibilidade de pensar mais em um dos efeitos da morte: o luto. E com isso tratar de possíveis constituições de um corpo em luto, de um corpo que se arrasta com a finitude de algo e nesse processo vai se constituindo de diferentes formas. Patricia apresenta, inicialmente, uma movimentação “rasteira”, onde não se luta contra o peso, mas se usa do peso, do efeito da gravidade para produzir possíveis movimentos. Contemplar sua movimentação me conduziu a pensar em um corpo que se “rizomatiza” (pensando rizoma com Deleuze e Guattari), descentraliza e se faz alastrando-se como erva daninha que ocupa um determinado espaço perto de outras plantas impedindo, tantas vezes, que essas outras plantas tenham acesso ao sol. Então deixo a pergunto: De qual, ou quais, morte(s) e luto(s) se está tratando? Claro que levo em consideração que a artista está em processo de experimentação para posteriormente fazer escolhas. Mas a pergunta vem mesmo, na tentativa de colocar a pensar/mover/corporar...
2 - (In)corporar uma criança! Não, não é disso que se trata o trabalho “Pequena Parte” de Fernanda Boff.
Utilizando-se de tecnologia, ironia e lembranças pessoais de infância (como a artista destaca), Fernanda não busca representar uma infância romântica, acredito que não busca nem representar uma infância, nem de fazer crítica à infância ou a produtos consumidos por crianças, mas ela pensa “com” os elementos escolhidos. Assim, experimenta como modo de pesquisar possibilidades de produzir movimentos e instantes. Não busca apresentar uma dita verdade sobre a infância, mas, para mim, trata de experimentar descompromissadamente. Com isso não quero dizer que esteja fazendo qualquer coisa por fazer, mas quero dizer que se isenta do compromisso de definições iniciais para experimentar, como os primeiros passos que são estimulados para alcançar algo que nem sempre é tão importante como a experimentação de colocar um pé na frente do outro. Foi desse modo que reverberou o trabalho em mim, como experimentação, assim como nos permitamos experimentar tantas vezes na infância, seja pela a inocência de não se conhecer tantas coisas do mundo e, ao mesmo tempo pela curiosidade de sentir algo que nos faz perceber que estamos vivos. Se permitir “arteirar” e “artistar” (Corazza, 2006), uma criança arteira que faz “arte”, um corpo que brinca.
3 - De uma possibilidade de infância para possibilidades do humor. Em “Era uma vez: Ana…” e no novo experimento, “Era uma vez: Luana…”. Diego Esteves trata de relações amorosas de forma divertida. Investe na sutilidade de movimentos que reforçam o óbvio e não o tomam como novidade, mas debocha do óbvio com o próprio óbvio. Poderia fazer diversas “leituras” do trabalho, mas o que destaco do modo como consigo ver o que ele produziu, é que se trata de relações amorosas e de humor, sem adentrar no campo psicológico e/ou em possíveis buscas de tratar de sua identidade de gênero. Diego não está sozinho em cena, mas está com todas aquelas que ele nos apresenta e que podemos imaginá-las enquanto os assistimos. Mais do que pensar em sugerir que o artista vá ao fundo na busca de outros possíveis lados seus, penso que se trata mais da potência das relações amorosas que ele traz para a cena como disparadoras de modos de se constituir em cena, e isso através da sutilidade de movimentos e com um texto divertido. Repito que não se trata de ir a fundo hierarquizando propostas artísticas como mais ou menos aprofundadas no tema, mas se trata de constituir o trabalho em um único plano traçado pelo próprio artista construído com seu corpo. Um plano de composição!
Tudo o que foi escrito até aqui foi pensado com as citadas propostas, foi inventado, pois, não sei se é realmente disso que se trata. Não tenho a intenção de chegar a uma dita verdade das intenções ou possíveis significados produzidos pelos artistas. Mas me permito escrever para que, quem sabe, essa escrita possa vir a servir, de alguma forma, para esses artistas.
Parabéns aos artistas, ao NECITRA e ao espaço CANTO 400 pela mostra de processos e pelos trabalhos apresentados.
http://necitra.com/
http://canto.art.br/
* Assistir esses trabalhos e produzir os textos desta página está totalmente associado a meus projetos de pesquisa artística e acadêmica. Vejo esse trabalho como busca por disparadores pela escrita.
** Pensar/pesquisar/escrever e tantas outras coisa “com”, vem da pesquisa que venho desenvolvendo desde 2012 na perspectiva das Filosofias da Diferença nos encontros com artes e educação.
*** FERRAZ, Wagner (Org). Experimentações Performáticas. Porto Alegre: INDEPIn, 2014. Onde encontrar: http://canto.art.br/experimentacoes-performaticas/
Referências:
CORAZZA, Sandra Mara. Artistagens: Filosofias da diferença e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.
FERRAZ, Wagner. Pesquisar e pensar “com”: Entre criação artística e criação acadêmica. In.: FERRAZ, Wagner (Org). Experimentações Performáticas. Porto Alegre: INDEPIn, 2014a. (Coleção Estudos do Corpo, v. 2). Disponível em: http://estudosdocorpo.weebly.com/blogue/publicacoes-wagner-ferraz. Acesso: 31/10/2015.
FERRAZ, Wagner. Corpo a Dançar: Entre educação e criação de corpos. Porto Alegre, 2014. 190f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014b. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/106500. Acesso: 31/10/2015.
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Wagner Ferraz é um dançante, professor, pesquisador, performer e gestor cultural. Coordenador dos Estudos do Corpo, Editor da Revista Informe C3 e Coordenador Editorial da CANTO - Cultura e Arte. Já organizou e escreveu alguns livros que podem ser encontrados em http://canto.art.br/canto-editorial/. Atua como professor em cursos de Pós-Graduação lato sensu na área da Educação na UFRGS e CAPACITAR e professor do Curso de Graducação Tecnológica em Dança da Universidade de Caxias do Sul. Contato: [email protected]. Site: www.processoc3.com.